A Divindade de Cristo Negada na Teoria da Kenosis

Blog do Pastor Gilson Soares
 
TEXTOS DE TEOLOGIA E FILOSOFIA


A DIVINDADE DE CRISTO NEGADA NA TEORIA KENÓTICA

Professor: Pr. Gilson Soares dos Santos

A TEORIA

A kenosis ou Teoria Kenótica ou ainda Teologia Kenótica surgiu quando vários teólogos na Alemanha (1860-1880) e Inglaterra (1890-1910) interpretaram Filipenses 2.5-7 ensinando que Jesus deixou de ser Deus no seu auto-esvaziamento.

A teoria kenótica é apresentada, para refutação, por Franklin Ferreira e Alan Myatt da seguinte forma:(1)

Essa doutrina da kenosis (“esvaziar”) baseia-se em Filipenses 2.6-8 e postula que Jesus se “esvaziou da forma de Deus”, retendo os atributos éticos de sua divindade (amor, misericórdia, etc.), mas abrindo mão dos atributos infinitos (onipotência, onipresença, etc.) e assumindo qualidades humanas. Também afirma que ele abriu mão por completo da sua natureza e autoconsciência divinas, e os atributos divinos foram essencialmente reduzidos, para se acomodarem a um modo humano de existência e expressão (alteração de gênero). Enfim, seus atributos infinitos teriam sido relativizados, enquanto ele esteve sobre a terra (alteração de grau).

Ferreira e Myatt continuam:(2)

Concordamos com a ideia do autoesvaziamento de Cristo, mas não com a noção de que ele deixou de ser divino, como as quatro proposições supracitadas afirmam. A encarnação foi mais uma aquisição de atributos humanos do que uma desistência dos atributos divinos. Em filipenses 2.6 a palavra “usurpação” pode ser traduzida de duas formas: como algo que se possui e que deve ser mantido a todo custo, e como algo que se não possui e que deve ser conseguido a todo custo.

A INTERPRETAÇÃO

Ferreira e Myatt prosseguem:

Em vista dessas possibilidades, três interpretações são possíveis para Filipenses 2.6-8:

MESMA ESSÊNCIA, MESMO STATUS FUNCIONAL: Em primeira lugar, Cristo existia na forma e glória de Deus e possuía status de igualdade com Deus, mas não considerou esta igualdade como algo a ser retido, esvaziando-se e tomando a forma de servo – mesma essência, mesmo status funcional.

MESMA ESSÊNCIA, PORÉM DIFERENTE STATUS FUNCIONAL: Cristo existia na forma e glória de Deus, mas não possuía igualdade de status com Deus, porém não considerou essa igualdade com Deus como algo a ser obtido a todo custo – mesma essência, porém diferente status funcional. A ênfase do texto não está sobre aquilo de que Jesus se esvaziou, mas como se esvaziou. Como o texto diz: “assumindo a forma de servo”. Cristo não possuía status de igualdade com Deus, mas, ao contrário de Adão, não perseguiu a possibilidade de ser igual a Deus.

MESMA ESSÊNCIA, FORMA DE SERVO: O esvaziamento não se refere à forma (morphê) divina, que é a própria natureza e essência de Deus, mas à igualdade com Deus, quando Cristo tornou-se funcionalmente subordinado ao Pai durante sua vida terrena. A estrutura gramatical de Filipenses 2.6-7 relaciona a expressão “forma de servo” com a expressão “igual a Deus” e não com a expressão “forma de Deus”.

Essa última interpretação, segundo Ferreira e Myatt, é a mais consistente com os textos nos quais Jesus reivindica ser Deus.

CONCLUSÃO DE FERREIRA E MYATT (3)

Concluímos que o Logos se tornou carne e, enquanto nesta forma, assumiu uma subordinação temporária. Em outras palavras, sendo o Deus encarnado, ele livremente deixou de usar seus atributos, especialmente os atributos incomunicáveis, como onipresença ou onipotência, embora estes atributos ainda fizessem parte de sua natureza divina. [...] ao retornar ao trono celestial, ele assumiu novamente a plena igualdade, em todos os sentidos, com o Pai.

REFUTAÇÃO DA TEOLOGIA KENÓTICA POR WAYNE GRUDEM

Grudem refutando a teoria kenótica diz:

Precisamos entender que nenhum mestre reconhecido dos primeiros 1800 anos da história da Igreja, incluindo os que falavam grego desde o nascimento, pensava que “esvaziou-se” em Filipenses 2.7 significava que o Filho de Deus abandonara alguns atributos divinos. [...] Precisamos reconhecer que o texto não diz que Cristo “esvaziou-se de alguns poderes” ou “esvaziou-se de atributos divinos” ou algo parecido. [...] o texto descreve o que Jesus fez nesse “esvaziamento”: ele não o fez deixando alguns dos seus atributos, mas, antes, “assumindo a forma de servo”, ou seja, passando a viver como homem”.(4)

E prossegue:

“Assim, a melhor compreensão dessa passagem é que ela fala de Jesus deixando a condição e o privilégio que possuía no céu: ele “não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (“não se apegou às vantagens pessoais”), mas “esvaziou-se” ou “humilhou-se” por nós e passou a viver como homem. Jesus fala em outro lugar da “glória” que possuía com o Pai “antes que houvesse mundo” (Jo 17.5), glória que deixou e receberia de volta quando voltasse ao céu. E Paulo podia falar de Cristo que “sendo rico, se fez pobre” (II Co 8.2), de novo aludindo ao privilégio e honra que merecia, mas que deixara temporariamente por nós.”(5)

Outro motivo pelo qual a teoria da kenosis deve ser rejeitada, segundo Grudem:

“é o contexto mais amplo do ensino do Novo Testamento e o ensino doutrinário de toda a Bíblia.  [...] não encontramos declarado em nenhum lugar que o Filho de Deus deixou de possuir algum dos atributos de Deus que possuía desde a eternidade”.(6)


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(1)FERREIRA. Franklin, MYATT. Alan, Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova. 2008. P. 529-530

(2)Ibidem.

(3)Ibidem.

(4)GRUDEM. Wayne, Teologia Sistemática: Atual e Exaustiva. São Paulo: Vida Nova. 1999. P. 454.

(5)Ibidem.

(6)Ibidem. P. 455.