A
DOUTRINA DE CRISTO NA HISTÓRIA (Parte 2)
Professor: Pr. Gilson Soares dos Santos
I – A
DOUTRINA DE CRISTO DEPOIS DA REFORMA
Para uma melhor compreensão da Doutrina de Cristo após a Reforma,
dividimos em: (1) Até o século XIX e (2) A partir do Século XIX.
1.1 –
Até o Século XIX
A Reforma não trouxe grandes mudanças à
doutrina da pessoa de Cristo. Tanto a Igreja Romana como as igrejas da reforma
subscreveram a doutrina de Cristo nos termos de sua formulação pelo Concílio de
Calcedônia. Suas diferenças importantes e profundas estão noutras áreas.
A – A
Cristologia Luterana traz uma peculiaridade que merece atenção. A doutrina de Lutero sobre a presença física de
Cristo na ceia do Senhor levou ao conceito caracteristicamente luterano da communicatio
idiomatum (comunicação de propriedades), com o sentido de “que cada uma das
naturezas de Cristo permeia a outra (perichoresis), e que a Sua
humanidade participa dos atributos da Sua divindade”. Afirma-se que os
atributos de onipotência , onisciência e onipresença foram comunicados à
natureza humana de Cristo ao tempo da encarnação. Suscitou-se naturalmente a
questão sobre como isto poderia harmonizar-se com o que sabemos da vida terrena
de Jesus. Esta questão levou a uma diferença de opinião entre os teólogos
luteranos. Alguns afirmam que Cristo pôs de lado os atributos divinos recebidos
na encarnação, ou os usava só ocasionalmente, enquanto outros diziam que Ele
continuou de posse deles durante toda a sua vida terrena..
B – A Cristologia dos Teólogos Reformados Calvinistas também
ensina uma comunicação de atributos, mas a concebe de maneira diferente. Ela
crê que, depois da encarnação, as propriedades de ambas as naturezas podem ser
atribuídas à pessoa única de Cristo. Pode-se dizer que a pessoa de Cristo é
onisciente, mas também, que tem conhecimento limitado; pode ser considerada
onipresente, mas também limitada, em qualquer tempo particular, a um único
lugar. Daí, lemos na Segunda Confissão Helvética: “reconhecemos, pois, que há
no único e mesmo Jesus, nosso Senhor, duas naturezas – a natureza divina e a
humana; e dizemos que estas são ligadas ou unidas de modo tal, que não são
absorvidas, confundidas ou misturadas, mas, antes, são unidas ou conjugadas
numa pessoa (sendo que as propriedades de cada uma delas permanecem a salvo e
intactas), de modo que podemos cultuar a um Cristo, nosso Senhor, e não a dois”.
1.2 – No Século XIX
No início do século dezenove deu-se grande
mudança no estudo da pessoa de Cristo.
A – Scheleiermacher
esteve à testa do novo desenvolvimento. Ele considerava Cristo como uma nova
criação, na qual a natureza humana é elevada ao nível da perfeição ideal.
Todavia, dificilmente se pode dizer que o seu Cristo se eleva acima do nível
humano. A singularidade da Sua pessoa consiste do fato de que Ele possui um
perfeito e vívido senso de união com o divino, e também realiza com plenitude o
destino do homem em Seu caráter de perfeição impecável. A sua suprema dignidade
encontra a sua explicação numa presença especial de Deus nele, em Sua
consciência singular de Deus.
B – Hegel cria que Cristo é parte
integrante do seu sistema panteísta de pensamento. O verbo se fez carne
significa para ele que Deus se encarnou na humanidade, de modo que a encarnação
expressa realmente a unidade de Deus e o homem. Ao que parece, a encarnação foi
meramente o auge de um processo racial. Enquanto a humanidade em geral
considera Jesus unicamente como um mestre humano, a fé O reconhece como divino
e vê que, por Sua vinda ao mundo, a transcendência de Deus torna-se imanência.
C – A
Kenósis
ensinava o esvaziamento total de Cristo. O termo
kénosis é derivado de Fp 2.7, que ensina que Cristo “se esvaziou (ekenosen),
assumindo a forma de servo”. Os quenosicistas tomam isso no sentido de que o Logos
tornou-se, isto é, transformou-se literalmente num homem, reduzindo-se total ou
parcialmente às dimensões de um homem, e depois cresceu em sabedoria e poder,
até que afinal se tornou Deus de novo. Propunha-se manter a realidade e a
integridade da humanidade de Cristo, e dar vivo relevo à grandiosidade da Sua
humilhação, na qual Ele, sendo rico, fez-se pobre por nós.
D – Dorner, que foi o maior
representante da Escola Mediadora, opôs-se fortemente a esse conceito e o
substituiu pela doutrina de uma encarnação progressiva. Ele via na humanidade
de Cristo uma nova humanidade com especial receptividade para com o divino. O
Logos, o princípio de auto-concessão de Deus, juntou-se a essa humanidade; a
medida em que o fez foi determinada em cada estágio pela sempre crescente
receptividade da natureza humana para com o divino, e não alcançou o seu
estágio final até à ressurreição. Mas isto não passa de uma nova e sutil forma
de heresia nestoriana. Resulta num Cristo que consiste de duas pessoas.
E – Albrecht Ritschl tem sua Cristologia
partindo da obra de Cristo e não da pessoa e Cristo. A obra de Cristo determina a dignidade de Sua
pessoa. Ele era mero homem, mas em vista da obra que realizou e do serviço que
prestou, acertadamente Lhe atribuímos os predicados da Divindade. Ritschl
rejeita a preexistência, a encarnação e a concepção virginal de Cristo, visto
que isso não acha nenhum ponto de contato na consciência crente da comunidade
cristã.
F – A ideia Panteísta Moderna da Imanência de Deus traz um outro olhar sobre a
Cristologia. As exposições podem variar
muito, mas geralmente a idéia fundamental é a mesma, a saber, a idéia de uma
unidade essencial de Deus e o homem. A doutrina das duas naturezas de Cristo
desapareceu da teologia moderna e em seu lugar temos uma identificação
panteísta de Deus e o homem. Essencialmente, todos os homens são divinos, desde
que todos têm em si um elemento divino; e todos são filhos de Deus, diferindo
de Cristo somente em grau. O ensino moderno acerca de Cristo está baseado na
doutrina da continuidade de Deus e o homem. E é exatamente contra essa doutrina
que Barth e os que pensam como ele ergueram sua voz. Nalguns círculos atuais há
sinais de um retorno à doutrina das duas naturezas.